Por que os aumentos de gastos do governo brasileiro atrapalham a bolsa?
O receio do aumento dos gastos públicos no Brasil gera reações adversas nos mercados financeiro e de capitais. Mas essa regra não se aplica para todos os países.Desde junho deste ano, quando o Ibovespa bateu os 130 mil pontos, a bolsa segue uma trajetória de queda que não parece ter fim.
A principal justificativa é de que há o risco do governo abandonar a política do teto dos gastos públicos.
Agentes do mercado argumentam que uma guinada populista de Bolsonaro, em busca de melhorar sua aprovação, pode causar piora no déficit público.
O aumento dos gastos iria impactar negativamente as contas do governo, e também a inflação.
Consequentemente, isso poderia criar pressões adicionais sobre a política monetária, que, cedo ou tarde, acabará respondendo com um aumento maior ainda da Selic.
A expectativa de aumento da Selic desestimularia o investimento em bolsa, uma vez que a Selic remunera parte dos títulos do tesouro direto, que é o ativo de menor risco, e que, por isso, funciona como custo de oportunidade.
Entretanto, todos devem ter em mente que nem sempre a geração de estímulos fiscais é recebida negativamente pelos agentes dos mercados financeiro e de capitais.
Um exemplo são os pacotes de estímulos fiscais adotados pelos EUA e União Europeia, que deram fôlego para o avanço dos principais índices de ações destes países.
Infelizmente, o mesmo esforço por parte do governo brasileiro não é bem visto pelos mercados. Mas por que isso acontece?
Pacotes fiscais dos países desenvolvidos e seus impactos nas bolsas
Em meados de março do ano passado (2020), os Estados Unidos aprovaram um pacote fiscal de cerca de US$ 3 trilhões.
Neste pacote, inclui-se transferências de renda para famílias, créditos tributários, ampliação do valor semanal pago pelo seguro-desemprego, empréstimos e garantias de financiamentos a empresas pelo Tesouro, gastos extraordinários com saúde e transferências a estados e governos locais.
Movimento equivalente em termos de impacto envolveu a criação de um fundo pela União Europeia (UE), no valor de € 750 bilhões, para promover a recuperação das economias do bloco por meio de subvenções e empréstimos.
Essa medida fiscal se soma àquelas que já vinham sendo implementadas pelos vários países e é inédita, na medida em que envolve o endividamento da UE. Isto é, uma emissão de dívida que combina riscos de países com capacidade fiscal diferenciada tendo o orçamento da UE como colateral.
Além da política fiscal, a reação das autoridades monetárias nos países desenvolvidos têm proporcionado um forte estímulo à atividade econômica.
Os bancos centrais dos EUA e Europa reduziram para próximo de zero as taxas de juros e ampliaram fortemente a liquidez por meio de programas de afrouxamento quantitativo (quantitative easing).
O resultado foi uma expansão sem precedentes em um período de tempo tão curto dos ativos dos bancos centrais.
Este tipo de política econômica tem permitido o combate adequado aos efeitos da crise da Covid-19 sem que haja pressões por parte do sistema financeiro. Sinal disso é que, desde então, os índices acionários renovaram e sustentaram altas históricas.
O S&P 500 superou recentemente os 4,5 mil pontos. O DAX (índice alemão) ultrapassou os 15 mil pontos. O CAC 40 (índice francês) segue acima dos 6,6 mil pontos. No geral, todos estes índices seguem em alta até então.
Já no Brasil a situação não é tão simples.
Pressões contra a política de estímulos fiscais no Brasil
No Brasil, o mesmo receituário aplicado pelos EUA e União Europeia é fortemente repreendido pelo sistema financeiro internacional.
As recentes iniciativas do governo federal de flexibilizar a política de teto de gastos fortaleceu o receio do mercado quanto à sustentabilidade do equilíbrio fiscal.
Sinal disso é que, desde a pandemia, o Real foi uma das moedas que mais se desvalorizaram no mundo.
A preocupação com o fiscal também afetou as bolsas e os juros longos dos títulos públicos.
Desde junho de 2021, quando o Ibovespa bateu o recorde de 130 mil pontos, a bolsa brasileira vem despencando mais de 15%.
Já os juros dos títulos do tesouro dispararam. A LTN 2026 (título do Tesouro com juros pré-fixados) disparou para 10,92%.
Diante disso tudo, fica a questão a ser discutida: por que é aceitável um aumento dos gastos dos governos dos EUA e da União Europeia para financiar o crescimento e a recuperação dos efeitos da pandemia do novo coronavírus, enquanto o mesmo é fortemente condenável para o Brasil?
Como o mercado avalia a dinâmica das dívidas dos países?
A principal justificativa para a diferença de comportamento do mercado em relação à política fiscal dos países é que há uma tolerância maior para o endividamento dos países ricos pois estes emitem moeda forte.
Não há, neste caso, fortes restrições de endividamento para um país que emite uma moeda que é desejável pelo mundo todo, como o dólar pelos EUA.
O mesmo não vale para o Brasil. O Real não é aceito no mundo da mesma maneira que a moeda norte-americana e o euro.
Dessa forma, os investidores têm receio de comprar títulos brasileiros pois não sabem se conseguirão resgatar suas aplicações em dólar.
Assim, quando o governo brasileiro ameaça provocar um aumento da dívida para financiar seus gastos, o mercado instantaneamente avalia isso como uma péssima decisão.
A percepção é de que está aumentando o risco para o pagamento das dívidas lastreadas em moeda estrangeira, uma vez que as reservas em dólar não são controláveis diretamente pelo governo brasileiro.
Como consequência, temos a fuga do investidor estrangeiro pelo receio de não poder sacar suas aplicações e convertê-las em dólar, e, dessa maneira, a queda do poder de compra do Real na medida em que se tem a saída de capitais.
Por sua vez, há uma pressão inflacionária devido a desvalorização do Real e o encarecimento dos produtos cotados em moedas estrangeiras.
O resultado é que, cedo ou tarde, será necessário uma elevação dos juros por parte do Banco Central para controlar a fuga de capitais e a inflação.
Como a lógica do mercado financeiro é o da alocação dos ativos visando valorização, em hora nenhuma é considerado pelos agentes se o aumento dos gastos do governo será bom ou ruim para a atividade econômica do país.
O que está em jogo é apenas o seu impacto nos juros e na sustentabilidade do país em pagar suas obrigações em dólar.
Percebe como qualquer possibilidade do Brasil de realização de política econômica intervencionista deve, antes de tudo, passar pelo aval do sistema financeiro internacional?
E toda essa dinâmica vale não apenas para o Brasil, mas também para a maioria dos países emergentes, como Argentina, Chile, e todo o restante da América Latina.