Muito tem sido debatido se a Rússia está ou não planejando controlar de vez o mercado europeu de gás natural. Entenda a discussão.
A narrativa de que a Rússia, um dos maiores fornecedores de gás natural da Europa, vem se organizando para tomar conta de vez do mercado europeu está cada vez mais forte.
Há cerca de cinco semanas, o presidente russo, Vladimir Putin, prometeu abrir as torneiras em uma tentativa de estabilizar os crescentes preços globais de energia.
Porém, a promessa não se cumpriu e desde então Putin tem sido acusado de reter os suprimentos intencionalmente.
Para os negociantes de gás natural, a Rússia tem limitado seu fornecimento aos níveis dos contratos de longo prazo e permitiu que as instalações de armazenamento da Gazprom no continente caíssem para patamares muito baixos.
A Gazprom é a maior empresa de energia da Rússia, também a maior exportadora de gás natural do mundo.
Como resultado, os preços do gás na Europa começaram a subir novamente, já que os traders veem poucas evidências de que a Rússia esteja disposta a cumprir a promessa de aumento nas exportações.
Outro evento que corrobora para a tese de um projeto deliberado da Rússia para controlar o mercado europeu de gás são os recentes movimentos em relação ao Irã.
A Rússia conseguiu garantir a maior parte da enorme descoberta de gás no campo de Chalous, no Irã. Este movimento pode ter enormes consequências econômicas e geopolíticas
A manobra de Putin ocorreu através de um acordo finalizado na semana passada para desenvolver a nova descoberta de gás de vários trilhões de dólares do Irã.
Isso fará com que as empresas russas detenham a maior participação no gasoduto, seguidas por empresas chinesas, e somente depois pelas iranianas.
As informações são de fontes próximas ao negócio, que deram entrevista exclusiva ao portal Oil Price.
Conforme com um dos altos funcionários russos envolvidos na negociação do acordo, “este é o ato final para garantir o controle do mercado europeu de energia”.
Por outro lado, há informações que asseguram que as restrições à oferta de gás natural por parte da Rússia nada mais é do que o resultado de questões conjunturais.
De acordo com Vitaly Yermakov, especialista do National Research University Higher School of Economics, há várias razões pelas quais a Rússia não foi capaz de atender ao pedido de aumento da produção de gás ou de reabastecer totalmente o armazenamento de gás na Rússia e na Europa.
Em primeiro lugar, os preços do gás muito baixos em 2020 forçaram retiradas extremamente altas de gás do armazenamento pelos produtores em uma tentativa de minimizar os custos de transporte e reduzir as perdas.
Em segundo lugar, os efeitos combinados de uma demanda robusta de gás, padrões climáticos extremos e disponibilidade limitada de gás natural na Europa resultaram em aperto extremo do mercado e preços altos.
Na verdade, a Gazprom teve um bom desempenho ao cumprir todas as suas obrigações contratuais e aumentar as entregas para a Europa, mas não conseguiu resolver sozinha a insegurança energética da Europa.
Yermakov diz que as reservas russas permitem que o país atenda a uma demanda geral muito maior. No entanto, colocar uma produção adicional é algo que não pode ser feito com o apertar de um botão.
A Rússia é totalmente capaz de produzir muito mais gás a longo prazo, mas precisa garantir essa produção assinando novos contratos de fornecimento com os compradores.
Em outras palavras, a Rússia não está pronta para gastar bilhões de dólares apenas para manter a capacidade produtiva ociosa e atender aos picos de demanda na Europa e em outros lugares.
Por fim, há ainda fortes dúvidas se realmente existe a capacidade do país de controlar o mercado europeu é limitada.
Na semana passada, a Rússia desligou completamente os fluxos do gasoduto Yamal-Europa de 2.607 milhas de comprimento que atravessa a Bielo-Rússia, Polônia e Alemanha, com uma capacidade de 33 bilhões de metros cúbicos de gás por ano, mas os mercados mal notaram com os preços restantes gravemente deprimido.
Tales é Doutor em Economia pela UFRGS. Realiza pesquisas sobre economia institucional, macroeconomia, mercado financeiro, economia brasileira e desenvolvimento econômico, além de trabalhar com cursos de educação financeira.