Compradores na Europa, Ásia e América Latina estão competindo por suprimentos limitados de gás antes que o inverno chegue ao hemisfério norte.
Os estoques de gás natural estão assustadoramente baixos em todo o mundo, e os preços na maioria dos lugares nunca estiveram mais altos depois de atingir novos recordes esta semana na Europa e na Ásia.
A demanda saltou à medida que as economias se recuperaram das paralisações pandêmicas, e o aperto pegou traders e executivos de energia desprevenidos.
A oferta restrita da Rússia e a forte demanda na China e na América Latina tornaram as economias europeias, incluindo Espanha, Holanda e Reino Unido, particularmente vulneráveis.
Parte desse problema se deve ao movimento dos países nos últimos anos de fecharem as usinas movidas a carvão e tornarem-se mais dependentes do gás.
Mesmo nos Estados Unidos, o maior produtor mundial de gás natural, a guerra de lances puxou os preços para o seu nível mais alto em mais de uma década.
As transportadoras de gás natural estão desviando as rotas dos navios-tanques para direcionar aos compradores que tenham oferecido pagar por um preço mais elevado pela commoditie.
Os fabricantes estão reduzindo a produção por causa dos preços da energia, colocando em risco a recuperação pós-pandemia.
Por outro lado, a China e a Europa estão ativando usinas alimentadas a carvão e petróleo, retardando o progresso na direção de fontes de energia com menos emissão de carbono.
Diante desse turbilhão todo, é difícil imaginar uma estabilização em breve para este mercado.
Os incentivos para os produtores mudaram à medida que seus investidores preferem empresas que buscam estabilidade em vez de perseguir movimentos de preços de curto prazo.
Soma-se a isso o fato de os limites estruturais impossibilitarem aumentos significativos na produção. As plantas e tanques de gás natural liquefeito (GNL) que exportam a commoditie dos EUA já estão perto do limite de produção, e expandir a capacidade é uma proposta possível somente no longo prazo.
Há também efeitos climáticos incomuns que têm ocasionado demora na resposta do abastecimento, de um lado, e aumento da demanda, por outro.
Em fevereiro, poços de gás congelaram no Texas e furacões interromperam a produção de gás no Golfo do México no final deste verão.
Na Europa, as velocidades dos ventos têm sido mais lentas do que o normal, prejudicando a geração de energia a partir de fontes renováveis. Além disso, o inverno europeu se arrastou, reduzindo o tempo normalmente usado para reconstruir os estoques de gás.
Se não bastasse, os obstáculos políticos e regulatórios para colocar um novo duto importante para a Europa em operação impedem a Rússia, outro grande produtor de gás natural, de aumentar o fornecimento.
Na semana passada, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que o país está pronto para trabalhar na estabilização do mercado global de energia, sinalizando que pode ajudar a conter a crescente crise na Europa.
Ele disse que Moscou é um fornecedor confiável que sempre cumpre todas as suas obrigações. Ainda assim, algumas autoridades, traders e analistas disseram que a gigante estatal russa de energia, Gazprom PJSC, tem demorado a aumentar o fluxo de gás.
Todo esse desequilíbrio entre oferta e demanda está ocorrendo em um mesmo momento que grandes líderes mundiais se preparam para se reunir em Glasgow, na conferência climática das Nações Unidas, que começa em 31 de outubro, para fazer grandes promessas sobre como se livrar de fontes de energia baseadas no carbono, incluindo o próprio gás natural.
A recente escassez está complicando a maneira como os países estão administrando a mudança para fontes de eletricidade menos intensivas em carbono, como a energia eólica e solar.
No passado recente, o gás natural em abundância deu confiança a governos e empresas para prosseguir com o desenvolvimento de energias renováveis. Isso porque, em uma situação difícil os sistemas de energia sempre poderiam recorrer ao gás barato, que emite cerca de metade do carbono do carvão.
Diante disso tudo, podemos dizer que temos uma crise energética mundial que dificilmente será resolvida de maneira rápida. Os governos em todo o mundo implementaram ações para bloquear emissões de carbono e reduzir a poluição, como o abandono do carvão, mas investiram pouco na produção de gás natural.
Tales é Doutor em Economia pela UFRGS. Realiza pesquisas sobre economia institucional, macroeconomia, mercado financeiro, economia brasileira e desenvolvimento econômico, além de trabalhar com cursos de educação financeira.